sábado, 13 de setembro de 2008
O quinto elemento
Ao longe, avistou uma tribo com fogueiras e gritos índios, dançando e cantando palavras grunhidas, incompreensíveis. Os sinais de fogo mostravam desenhos no ar, qual fogo de artifício de Vila Branca, que lhe inundava as memórias da infância. Um céu desenhado assustadoramente, com estalos de explosão e caras feias de vudú, fizera-lhe ocorrer voltar atrás no seu percurso. À primeira meia-volta, foi derrubada por uma onda que resolveu impôr a sua força. Levantou-se para dar mais meia volta. Afinal, voltar atrás não teria sido uma boa decisão. Mas a tribo em celebração, certamente, não gostaria de ser incomodada.
Presa entre àgua, fogo, terra e ar e aprisionada num mundo de incertezas performativas. Ali ficou, sem saber para onde ir. Estava cansada, decidiu sentar-se. Esperava alguém para a salvar e recorria à toalha para a abraçar.
segunda-feira, 23 de junho de 2008
Que coisa mais parva
Iluminando o caminho da boa-ventura?
E se as flores colorissem a chuva do Inverno,
E as pingas salpicassem como um arco-íris?
E se o calor nos suportasse sempre o coração,
Envolto em chamas, brasas e grande compaixão?
E se o anjo viesse em todos os momentos,
Para nos contar todos os segredos?
E se não existissem dores nem rancores,
Ódios, amuos, vinganças ou traições?
E se a música de fundo não parasse de soar,
Estimulando a paz de espírito e felicidade?
Sou, fui, serei
Um mundo alternativo de chocolate com morangos
A serenidade da montanha com vales verdejantes
E um rio azul cujo leito tem força de motor.
Já nós
Somos, fomos, mas não seremos.
sexta-feira, 16 de maio de 2008
Geração do covil
Bocas armadilhadas.
Falar é guerra.
Lutar é tento.
Sinos tocam como um alerta,
Interrompem a comunicação,
Como que para nos avisar
Destes males da rebelião.
Frases mortíferas,
Letras inequívocas.
Falar é guerra.
Lutar é tento.
Sorrisos mentem como uma máscara,
Hoje e sempre, um de Abril.
Isto é apenas um sátira
À geração do covil.
Vozes nucleares,
Bombas dos falares.
Falar é guerra.
Lutar é tento.
Promessas surgem como banais,
Premeditadas estrategicamente
E nunca se tornam reais,
Pois tudo entretanto é diferente.
Falar é guerra.
Lutar é tento.
quarta-feira, 7 de maio de 2008
Decisão final
O objectivo é meramente alcançar o cume
Ir para a esquerda, para a direita, rodopiar num eixo dinâmico
Pular a cerca que envolve o ambiente de pânico
Com rajadas que sopram fortes em várias direcções
Numa roda viva de pensamentos e emoções.
Não!
Não quero ir tarde, não posso perder tempo
Porque a vida são dois dias, há que buscar o momento.
Não quero voltar atrás, posso esquecer o passado
E o presente não está fácil, o futuro anda ao meu lado.
Os olhos focam o dia que ainda está para vir
O dia em que os meus lábios terão o prazer de sorrir
As memórias são de um tempo longínquo futuro
Podiam estar para breve, já que trabalhei tão duro
O tempo não volta atrás, tem ponteiros sempre a avançar
As pegadas já se apagaram e já não há volta a dar
Só um giro sobre mim própria, talvez com queda fatal
O mundo fecha as portas, tenho que tomar a decisão final.
sexta-feira, 11 de abril de 2008
À beira da estrada
Trazia rugas na testa
Olheiras bem cavadas
Olhos inchados de lágrimas
Sentada na beira da estrada
Soluçava desabafos
Tremia calafrios
O dia tinha chegado
Envolto em névoa escura
Assombrado pela morte
Trazia o desgosto consigo
Vestia preto como a alma
Mascarada de tragédia
Faltava oxigénio ao ar
Faltava conforto ao lar
Faltava o vivo sem morrer.
domingo, 30 de março de 2008
Farinha
Está todo esfarelado
Farinha
O meu colchão
Particípio passado
Farinha
Dissipação
A casa de sempre
A casa ao lado
Grande e luxuosa
Particípio passado
Farinha
Voos mais baixos
Magnitude da paz
Farinha as estórias
O tempo ficou p’ra trás
Farinha, trigo moído
O tempo ficou esquecido
Prurido
Farinha
A minha caminha
O meu colchão
O meu lar
Moinho sempre a trabalhar
Mais farinha
Feita em farelos
Calço os chinelos
Magnitude da paz
O tempo ficou p’ra trás
Farinha.
quinta-feira, 20 de março de 2008
O beijo do vampiro
O meu olhar colidiu com o beijo do vampiro
Hipnotizada vi o episódio inteiro
Branca como a cal
E o vampiro igual
Lá sugou todo aquele sangue
Com um beijo de desejo
Qual beija-flor
Qual Don Juan!
Desejo como aquele eu nunca tinha vislumbrado
Embora o olhar não fosse tão apaixonado
Ar de mauzão, ar irrespirável
Presa ofegante, aterrorizada
Sexy dentição, “vou-te comer”
Com uma voracidade insaciável
Até à última gota, sorriso na boca
O ar ficou irrespirável.
segunda-feira, 10 de março de 2008
Sou…
Sou a presa perseguida pelo caçador.
Sou a escrava vendida ao outro senhor.
Sou a refém para resgate do criminoso.
Sou a refugiada de um país pantanoso.
Sou a formiguinha que obedece à rainha.
Sou a cabra-cega que não vê onde caminha.
Sou a inocente condenada à prisão.
Sou a religiosa durante o Ramadão.
Sou a ave no Verão sem nada para beber.
Sou a pobre mendiga sem nada para comer.
Sou a assaltada que acabaram de roubar.
Sou a forasteira que anda à procura de um lar.
Sou a miserável a quem o dinheiro some.
Sou a manifestante em greve de fome.
Sou a vagabunda que expulsaram do hotel.
Sou a namorada ansiosa pelo anel.
Sou o rio sem leito, sem água a correr.
Sou a maluquinha difícil de perceber.
Sou a sobredotada reprovada na escola.
Sou o ladrão coxo sem conseguir dar à sola.
Sou a artista frustrada que ninguém admira.
Sou o eterno apaixonado pela casada Alzira.
Sou o gordo gozado por todos os colegas.
Sou quem prova as comidas que já estão azedas.
Sou o estrangeiro que não sabe a linguagem.
Sou o mensageiro que perdeu a mensagem.
Sou o operário que perdeu o trabalho.
Sou o único macaco que não tem galho.
Sou a multada por excesso de velocidade.
Sou o aldeão que nunca entrou na cidade.
Sou o drogado sem droga p´ra consumir.
Sou a perseguida que continua a fugir.
Sou o intelectual que ficou sem resposta.
Sou o jogador de poker que perdeu a aposta.
Sou o santo que não foi beatificado.
Sou o vencedor nunca homenageado.
Sou o prato da ementa que não levou sal.
Sou o acusado num processo de tribunal.
Sou o tímido corado perante a multidão.
Sou o trabalhador agora sem profissão.
Sou a criança a quem não compram o brinquedo.
Sou o noctívago que amanhã acorda cedo.
Sou a peça de roupa que já perdeu a cor.
Sou o coração onde não mora o amor.
Sou o motorista que não sabe o caminho.
Sou o alcoólico que já bebeu todo o vinho.
Sou o morador restante da ilha deserta.
Sou o café sem cafeína que não desperta.
Sou a maçã solitária que ninguém apanhou.
Sou o órfão p´ra adopção de quem ninguém gostou.
Sou o telemóvel que ficou sem bateria.
Sou a que ficou a tirar a fotografia.
Sou a útil inútil inutilizada.
Sou a pedra que te fez tropeçar na calçada.
domingo, 2 de março de 2008
não liguem... apeteceu-me
Nos primórdios da vida real
Aqui estou eu
Atracção fatal
Ou outras ironias casuais
Acasos vencidos
Entradas directas no top mais
Volta aos trópicos
Não ao mundo
Jogos panópticos
Por um segundo
Estou aqui, mas não sou
O meu eu esvoaçou
Anda perdido naquilo a que chamam liberdade
Enquanto estou noutra realidade
Sou algures, estou aqui
O estou sorri
O sou perdi
Aqui sou ou tento ser
É o meu refúgio do anoitecer
E quando estou, ou tento estar
Estou com certeza a representar.